segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O TESTE DE ALCOOLEMIA E A RECUSA DO MOTORISTA


CLÁUDIO RÉCHE IENNACO

Procurador Jurídico do Município de Piraúba/MG

Professor de Direito Penal e Processo Penal da Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Fadileste

Mestrando em Ciências Políticas, Cidadania e Governação pela Universidade Lusófona – Lisboa, Portugal



Há, realmente, a obrigatoriedade em se submeter ao exame de alcoolemia para a comprovação de embriaguez ao volante de veículo automotor? Ou seja, o teste do bafômetro é mesmo obrigatório ao motorista?

O comentário nas ruas vem constantemente refletindo o que a imprensa divulga acerca da modificação sofrida pelo Código Brasileiro de Trânsito, ou Lei n.º 9.503/97, pela Lei n.º 11.705, de 19 de junho de 2008.

O tópico mais gerador de polêmica desses dispositivos legais é, sem dúvida, o que trata do exame de bafômetro, contido no art. 277 do Código de Trânsito. Segundo ele, com a redação da nova lei, o motorista está obrigado a se submeter ao teste e, caso se recuse a fazê-lo, poderá ser punido. O problema maior, é que parece que grande parcela da população, da imprensa e, o pior, das próprias autoridades encarregadas de aplicar a lei, não deram a devida atenção ou não compreenderam corretamente o alcance da nova previsão legal.

Para melhor entendermos o alcance da norma, vale neste instante uma breve digressão sobre como trata nosso Código de Trânsito das condutas que se inserem neste contexto.

O art. 165 do Código de Trânsito considera como infração administrativa de embriaguez ao volante a conduta de: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Incidindo nesta prática, devem recair sobre o motorista infrator as penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses, além das medidas administrativas de retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Observamos que isso não constitui crime e sim infração administrativa, vale reforçar. Sendo que, para o crime, a lei determina, via de regra, a aplicação de uma pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, que só pode ser verificada depois de um julgamento e uma sentença prolatada pelo juiz de direito. Já a infração é medida de repressão meramente administrativa, sendo os órgãos de trânsito responsáveis pela aplicação da multa e outros acessórios previstos.

Para que esta mesma conduta seja considerada crime de trânsito, é necessário que o motorista esteja embriagado com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, como as drogas ilícitas, por exemplo. Caso isso ocorra, o motorista infrator será responsável pela infração administrativa, perante os órgãos de trânsito, e também responsabilizado criminalmente, diante do Poder Judiciário, através de um processo criminal.

Porém, para qualquer tipo de responsabilização diante das esferas administrativa ou judicial, ou então por ambas concomitantemente, há a imperiosa necessidade de se formular provas irrefutáveis, aplicáveis contra o autor do fato, neste caso, o motorista suspeito de dirigir embriagado.

A prova, conforme amplamente divulgado após a edição da chamada “Lei Seca”, deve ser feita através do aparelho adequado à medição do índice de alcoolemia presente no sangue do infrator, chamado popularmente de bafômetro. Mas é justamente neste ponto que encontra o calcanhar de Aquiles da norma. Ao contrário do que vem sido divulgado, o motorista tem todo o direito de se recusar a soprar o bafômetro!

Por mais que sejam previstas sanções a esta recusa, ela não é crime e, tampouco, enseja a prisão do motorista. Evidente que o legislador tentou alternativas para imposição da medida como obrigatoriedade, mas estas não devem ser assim entendidas. Conforme o Código de Trânsito, para aqueles que se recusam a fazer o teste, incidiria o que dispõe o §3º do art. 277 e art. 165: o motorista que se recusar a fazer o exame será punido com (a) multa e (b) suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Além disso, no ato da fiscalização, a autoridade deverá realizar (c) a apreensão da carteira de habilitação e (d) retenção do veículo até que um condutor habilitado venha retirá-lo.

Tais conseqüências são as mesmas previstas pela lei para aquele que é flagrado ao dirigir sob a influência de bebida alcoólica, sendo esta uma infração administrativa de trânsito do artigo 165 do Código de Trânsito, e não um crime, repetimos.

Isto quer dizer que, na sua aplicação prática, a lei, diante da possível e inegável recusa do motorista em se submeter ao exame do bafômetro, fizesse uma presunção de seu estado de embriaguez. Em resumo, negando fazer o teste, o motorista estaria admitindo que está bêbado, numa interpretação da máxima popular de que quem não deve, não teme.

Porém, pode o motorista se recusar a se submeter a qualquer tipo de exame, seja o teste do bafômetro, seja qualquer outro procedimento previsto no artigo 277 do Código de Trânsito, como os exames que se procedem mediante a análise de amostra de sangue, ou exames clínicos. Não pode a polícia obrigar o condutor a realização de qualquer procedimento, sob pena de incidir o agente nos crimes de abuso de autoridade ou constrangimento ilegal. Sequer pode ser o motorista conduzido coercitivamente à delegacia de polícia ou a outro local onde se poderia realizar um exame médico. Porém, é importante observar que, em qualquer caso de recusa, serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas que já foram mencionadas, previstas no Código de Trânsito.

Dessa feita, temos que a apreensão da carteira e a retenção do veículo são as únicas medidas a serem aplicadas de imediato ao motorista infrator, que se recusa a se submeter aos exames solicitados pela autoridade policial, como o teste do bafômetro. Jamais caberia, pela recusa do motorista, a possibilidade de efetuar sua prisão em flagrante.

É também de conhecimento geral que ninguém é considerado culpado até que se prove o contrário. É o chamado princípio jurídico da presunção da inocência, em que estamos todos nós seguros de que podemos nos defender de acusações que resultarão em conseqüências contra atos praticados, usando do nosso direito ao silêncio e a negativa de auto incriminação. Isto é, ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ou melhor, ninguém pode ser obrigado a contribuir para sua própria acusação, seja confessando ou se submetendo a exames.

Porém, mesmo considerando essa garantia de defesa do infrator, a lei de trânsito previu sanções administrativas para aquele que se recusa a fazer o teste do bafômetro. Para não ser punido administrativamente com a multa e outras conseqüências, o motorista pode arriscar o exame, pois que, como dito anteriormente, quem não deve, não teme. Mas isso tem de ser uma opção ao motorista, e nunca uma forma de coação. Aquele que não fez uso de bebida alcoólica não deveria ter nenhuma resistência a soprar o bafômetro.

É certo que outros meios de prova podem ser utilizados pela autoridade policial para a caracterização da direção sob influência de álcool, conforme se observa no §2º do art. 277 do Código de Trânsito, como os notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. Assim, valeriam o testemunho dos agentes de trânsito ou mesmo o atestado de um médico que esteja presente quando da fiscalização. A ressalva necessária nesse momento é o fato de que essa prova deverá ser apreciada no curso de um processo administrativo regular, onde o infrator terá o direito a ampla defesa escrita, com o contraditório inerente a qualquer tipo de acusação.

Para que a conduta evolua ao ponto de ser considerada um fato criminoso, além da mera infração administrativa, ensejando a participação do Ministério Público e Judiciário, há que se verificar a embriaguez do motorista através de sua clara e inequívoca constatação por um exame de alcoolemia positivo. Não sendo realizado esse exame, a alternativa é a observação de caso de caso de embriaguez patente.

Esta situação tem de ser verificada no ato da abordagem do motorista, pelos agentes de trânsito ou por médicos, através dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor, conforme previsão do art. 277, §2º do CBT. Mesmo assim, corre-se o risco de inviabilidade de aplicação de uma pena, pois que a substituição da prova pericial é extremamente complicada, considerando a exigência legal de comprovação de concentração de álcool igual ou superior a 6 decigramas por litro de sangue. Em suma, isso só se consegue com o bafômetro aferido pelo INMETRO, ou com exame de sangue, testes aos quais o motorista não se obriga a submeter.

Como exemplo, temos uma decisão proferida pelo Judiciário, em sua instância máxima, que é o Supremo Tribunal Federal, onde o entendimento se torna definitivo, impassível de recurso.

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. EXAME. ALCOOLEMIA.

Antes da reforma promovida pela Lei n. 11.705/2008, o art. 306 do CTB não especificava qualquer gradação de alcoolemia necessária à configuração do delito de embriaguez ao volante, mas exigia que houvesse a condução anormal do veículo ou a exposição a dano potencial. Assim, a prova poderia ser produzida pela conjugação da intensidade da embriaguez (se visualmente perceptível ou não) com a condução destoante do veículo. Dessarte, era possível proceder-se ao exame de corpo de delito indireto ou supletivo ou, ainda, à prova testemunhal quando impossibilitado o exame direto. Contudo, a Lei n. 11.705/2008, ao dar nova redação ao citado artigo do CTB, inovou quando, além de excluir a necessidade de exposição a dano potencial, determinou a quantidade mínima de álcool no sangue (seis decigramas por litro de sangue) para configurar o delito, o que se tornou componente fundamental da figura típica, uma elementar objetiva do tipo penal.

Com isso, acabou por especificar, também, o meio de prova admissível, pois não se poderia mais presumir a alcoolemia. Veio a lume, então, o Dec. n. 6.488/2008, que especificou as duas maneiras de comprovação: o exame de sangue e o teste mediante etilômetro (“bafômetro”). Conclui-se, então, que a falta dessa comprovação pelos indicados meios técnicos impossibilita precisar a dosagem de álcool no sangue, o que inviabiliza a necessária adequação típica e a própria persecução penal. É tormentoso ao juiz deparar-se com essa falha legislativa, mas ele deve sujeitar-se à lei, quanto mais na seara penal, regida, sobretudo, pela estrita legalidade e tipicidade. Anote-se que nosso sistema repudia a imposição de o indivíduo produzir prova contra si mesmo (autoincriminar-se), daí não haver, também, a obrigação de submissão ao exame de sangue e ao teste do “bafômetro”. Com esse entendimento, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal. Precedente citado do STF: HC 100.472-DF, DJe 10/9/2009. HC 166.377-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/6/2010.



Enfim, temos novamente uma lei eivada de boas intenções, mas com sua eficácia extremamente limitada em virtude da obrigação de observância a princípios maiores, garantidos constitucionalmente, que jamais podem ser afastados, pois que configuram proteções individuais contra arbítrios do poder estatal.

Cabe ao cidadão, como é forçoso concluir, recorrer ao bom senso na prática de atos incompatíveis entre si, como é a direção de veículos e ingestão de bebidas alcoólicas ou uso de drogas. O que, admitidos, seja questão de grande dificuldade, pois que a mídia insiste em ensinar os jovens a ingerir cada vez mais bebidas, haja vista as músicas de sucesso, como aquela de uma dupla famosa, que diz que na sexta-feira se deve tomar muita cerveja para ser adequado e reconhecido socialmente. Só que esses ícones da cultura (ou falta dela) nacional esqueceram de mencionar que quem toma muita cerveja na sexta-feira, fatalmente tentará ir para casa dirigindo, correndo o enorme risco de fazer parte das estatísticas macabras que colocam o Brasil como recordista em acidentes de trânsito, fato muito pior do que a violência criminal alardeada constantemente. Enfim, todo formador de opinião tem, acima de tudo uma função social.

Para saber mais ( Leia )

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